"CREEP": a pior música dos radiohead?
- João Pedro Antunes
- 27 de dez. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de nov. de 2019
Creio que qualquer um reconhece Creep. Afinal, é considerada uma das músicas mais icónicas dos anos 90 e de longe a mais popular dos Radiohead. Porém, enquanto por um lado muitas pessoas adoram o hit, do outro, muitas pessoas odeiam-no, muito principalmente os próprios fãs da banda, que não perdem uma oportunidade para classificar Creep como "a pior música dos Radiohead". Creio que (quase) qualquer um que tenha tido a oportunidade de ouvir toda a discografia da banda concorda que não é, nem de perto, a melhor música. Mas será a pior?
Creep foi, a 21 de Setembro de 1992, o primeiro single dos Radiohead a ser publicado, apesar de estes nunca terem tido planos em fazê-lo até serem convencidos pelos seus produtores (Sean Slade e Paul Q. Kolderie), que ficaram bastante surpreendidos e satisfeitos com a música. Inicialmente, o single não teve sucesso quase nenhum (tendo até mesmo sido negada a sua reprodução em diversas estações de rádio por ser "demasiado depressiva"), mas cerca de um ano depois, já com o primeiro álbum lançado, a canção explodiu e passou a ser reproduzida em estações de rádio mainstream de todo o mundo. Tornou-se num autêntico hit.
Espera aí, vamos recuar um pouco. Vamos voltar à última frase. "Tornou-se num autêntico hit". Esta é, na minha opinião, a principal razão por Creep ser tão odiado pelos fãs e pela própria banda. Não é uma situação de todo incomum! Aliás, podemos verificar casos muito semelhantes em toda a indústria musical. Tal como Creep é odiado tanto pelos seus criadores como pelos fãs, o mesmo acontece com hits como Smells Like Teen Spirit, dos Nirvana; Wonderwall, dos Oasis; ou Misery Business, dos Paramore. As razões são diversas: a letra da música deixou, com o tempo, de fazer sentido aos criadores; ao longo dos anos, a música passou a encaixar cada vez menos com os géneros musicais que a banda procura; tanto os fãs como a banda enjoaram da música por ser tocada tão frequentemente na rádio (e não só), etc... No caso dos Radiohead é tudo isto. Os fãs, que já não apreciavam tanto a música, passaram a apreciá-la ainda menos quando tiveram conhecimento que a banda que a compôs também não era lá grande fãs dela (e isso passou a ser no mínimo bastante óbvio a partir de 1997, quando eles pareciam ignorar a existência do hit ao desprezar entrevistadores que o mencionassem de qualquer maneira e ao recusarem-se tocá-lo em concertos, chegando ao ponto de chamar os fãs que gritavam por ele de "analmente retardados", seja lá o que isso significa). Ou seja, "Bem, se a banda não gosta da música, então eu também não" é a filosofia de muitos fãs de Radiohead. Além disso, o tipo de música que Creep ou até mesmo o álbum Pablo Honey no geral abrangem é totalmente diferente àquele que os Radiohead abrangeram em álbuns futuros. Ou seja, resumindo e concluindo, o simples facto de Creep ser um hit já cria por si mesmo mais que uma razão para a música ser odiada.
Porém, apesar de todo o hate que ronda à volta de Creep por parte dos fãs e da própria banda, eu não concordo que seja a pior dos Radiohead. É verdade que já foi muito badalada e também é verdade que é bastante irritante conhecer indivíduos que afirmam ser fãs de Radiohead conhecendo apenas Creep (e com sorte, High & Dry e Karma Police), mas uma coisa é certa: o primeiro sentimento que Creep transmite é inesquecível. Para mim, é a música ideal para pessoal que pretende começar a sua jornada pela razoavelmente vasta discografia dos Radiohead. É uma música bastante acessível ao público em geral (porque, admitamos, se um amigo que não costuma ouvir músicas fora da zona de conforto do mainstream te pedir para lhe mandares o link de uma música dos Radiohead, não vais fazê-lo ouvir The Amazing Sounds of Orgy ou We Suck Young Blood. Vais querer enviar algo acessível e easy-listening, como High & Dry ou aquela que estamos neste momento a discutir: Creep), visto que tem uma progressão musical geralmente repetitiva e com poucas mudanças (geralmente, a progressão fica-se pelo G–B–C–Cm), mas com aquela vibe de Rock Alternativo e em certos momentos, como nas notas fantasma imediatamente antes do refrão, Grunge (facto curioso: essas notas fantasma foram uma tentativa do guitarrista Jonny Greenwood de estragar a música). É também de destacar a letra, que faz servir a carapuça a muita gente, especialmente adolescentes. É uma letra acerca de um amor não recíproco, algo que não é assim tão incomum nas letras de Thom Yorke (temos também Thinking About You e, a minha preferida, Climbing Up The Walls). Passando a explicar mais pormenorizadamente: Creep é sobre um rapaz que morre de amores por uma rapariga, mas ela não sabe sequer da existência dele. Em vez de ganhar coragem e ir falar com ela (por recear o pior), ele observa-a de longe enquanto se auto-proclama de Creep (em português, "aberração") pela sua cobardia. Digamos que a letra é uma versão menos assustadora e aberrante do You're Beautiful do James Blunt (a sério, pesquisem o significado da letra. Não é uma letra tão queriduxa, fofinha e melosa quanto parece).
É impossível equiparar Creep com músicas lendárias como Airbag, How To Disappear Completely ou There, There, mas também não acho que Creep seja o pior da banda. Não esqueço que foi a música que me introduziu a esta banda lendária e não esqueço também aquilo que me fez sentir ao ouvi-la pela primeira vez. Se tentarmos ignorar o facto de a música ser um hit, vemos mais uma música de Radiohead com a qual muita gente se consegue identificar, mesmo que seja com o "eu" de há quinze anos. Creio até que é por isso que ouvimos Radiohead: por se identificar connosco.
Com tudo isto em mente, que tal dares uma segunda oportunidade ao Creep?
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