Smoke Cabinet - Entrevista
- João Pedro Antunes
- 11 de fev. de 2020
- 7 min de leitura
No passado dia 17 de Janeiro, pouco antes do concerto no Parque de Feiras e Exposições de Beja Manuel Castro e Brito, organizado pela lista de finalistas da Escola Secundária Dom Manuel I, o Ondas Distorcidas entrevistou António Mata (7AM), Miguel Santos (Pikkas) e Lucas Podolsky, três dos membros da editora de Hip-Hop Smoke Cabinet. Formada em Beja no final de 2018 por 7AM e Pikkas, a Smoke Cabinet é um dos nomes regionais que, juntamente com os HiTexas, tem chamado mais à atenção dentro do seu género. Aura (de Vishuddha), União Faz a Força (de Pikkas e Podolsky) e R.A.P. (de Podolsky e 7AM) são os nomes de alguns dos singles lançados pela editora. Foram vencedores de duas eliminatórias regionais do Concurso de Bandas para o Palco Novos Valores, permitindo-lhes actuar no Festival Avante, este último Verão. Lê a entrevista abaixo!

Pikkas (à esquerda) e Podolsky (à direita) num dos seus últimos concertos.
De onde veio a ideia de fundar os Smoke Cabinet?
Pikkas (PK) - Eu fazia parte de outro grupo - os GCrop7800 - mas queria pegar em pessoal – como o Podolsky – que eu sabia que nunca iria querer enfiar-se naquele projecto. Mano, eu basicamente vi uma impossibilidade de continuar lá, então criei os Smoke Cabinet.
Vocês diriam que as diferenças artísticas foram também culpadas pela vossa saída dos GCrop7800 e pela criação dos Smoke Cabinet?
PK - Epá, sim. Eu não curtia da cena que eles queriam fazer. Não era a minha cena.
7AM – Quando estávamos nos GCrop, não tínhamos aquela liberdade de podermos ser nós próprios. Aliás, nós estamos a falar de um grupo onde havia sempre quem queria mandar mais e nós não queríamos isso para nós! Queríamos apenas ter liberdade artística, percebes? Foi por isso mesmo que, a certa altura, virei-me para o Pikkas e disse-lhe: “Mano, a gente sai e vamos fazer uma cena mesmo nossa”. Assim que criámos os Smoke Cabinet, aproveitámos para convidar pessoal que sabíamos que iriam enriquecer o grupo, como o Podolsky.
Podolsky (PD) - Ya, eles convidaram-me logo quando tudo começou. Nessa altura, eu já era amigo do Pikkas e começámos logo a trocar ideias para fazer isto funcionar. Porquê uma editora e não um grupo, com a mesma matriz de outros grupos de Hip-Hop portugueses como Wet Bed Gang, Da Weasel ou Líderes da Nova Mensagem? PK – Imagina que me aparece um gajo ali à toa que queira gravar. Força, mano! Qual é a cena? Se fossemos um grupo, não poderíamos fazer esse tipo de coisa, percebes? 7AM - Além disso, nós não nos vemos como uns Wet Bed Gang. Nós queremos que cada artista incluído nos Smoke Cabinet tenha o seu espaço artístico! Isto é, eu faço os meus sons à vontade, e os outros também. Agora, se se quiser fazer uma colaboração, não há problema! Faz-se e pronto. É verdade que actuamos como um grupo, mas cada um de nós é diferente! Aliás, eu quero que todos me vejam como o 7AM e não “um dos Smoke Cabinet”. PD – Tal e qual, mas olha: somos uma editora, mas temos a união de um grupo. A união faz a força e isso acabou por se fortalecer ainda mais depois do nosso concerto no Avante. Neste momento, somos tipo uma família. Resumindo: vocês vêm os Smoke Cabinet como uma família, mas respeitando o espaço artístico individual? 7AM – Sim. A união está lá, garanto-te. Aliás, nós estamos para lançar o nosso próprio som, que vai ser lançado em grupo. Por isso, o nome do autor fica mesmo “Smoke Cabinet”. Falemos agora de influências: vem tudo do mesmo saco ou existem diferenças notórias? 7AM – A minha maior influência sou eu próprio. Tudo o que eu escrevo é baseado naquilo que eu vivo. Porém, se estivermos a falar dos artistas que nós mais admiramos, aí é diferente: o artista que eu mais admiro é o Sam The Kid. No caso do Podolsky, sei que é o Bispo. PD – Ya. Inicialmente, o Bispo inspirava-me, mas fui acabando por ignorar um pouco a cena das “influências”. Eu fui ganhando cada vez mais interesse em fazer só a minha cena, estás a ver? Quando uma pessoa começa, tem que arranjar inspiração de algum lado, para que sirva de ponto de partida. Mas vai haver sempre uma altura em que vai ter que se despegar dessa influência, para poder ser artisticamente independente. Agora sobre a cena dos artistas que tenho como ídolos: curto do Bispo, do Sam The Kid e do Mundo Segundo. São artistas do car*lho. PK – Eu acho que nunca me inspirei... Eu faço o que me vier à cabeça, mesmo!... Tanto posso fazer um som para dar o maior avacalho, tipo o Kamikaze, como posso fazer algo mais consciente, como o Porta 88 ou outros singles que estou para lançar com o Mata [7AM]. Já que falam do Porta 88: esse single tem uma sequela, o Porta 89. Qual é a conexão entre estas duas canções? PK – O Porta 88 é uma música de amor. Na altura, eu gostava de uma rapariga e o número do seu cacifo era o 88. Daí o nome: Porta 88. Já o Porta 89 é sobre eu ter seguido em frente. Passei para o número a seguir. PD – Ya, mesmo as letras transmitem uma mensagem do tipo: “se algum dia precisares de mim, já sabes a minha porta”. PK – Ya, exactamente.

7AM, num dos concertos mais recentes da editora. Falemos agora um pouco acerca de todo o processo que vos permitiu actuar no Festival Avante, no Verão passado. PD – Aquilo começou como um concurso de bandas ao qual nos comprometemos a entregar tudo em palco já a partir da primeira eliminatória [em Beja, no dia 3 de Maio de 2019]. PK - Por acaso não estávamos nada à espera de ganhar. O outro grupo de Hip-Hop [HiTexas] fez um concerto do car*lho: levaram mais pessoal, fizeram mais barulho, etc... Já no nosso concerto, o público ficou mais calado. Ainda assim conseguimos! Passámos a primeira fase e disputámos a segunda eliminatória em Évora [contra os PaperHearts]. PD – Tudo indicava que nunca passaríamos da eliminatória de Évora. PK – Ya. Ainda por cima tivemos problemas com os ficheiros do áudio. Estava tudo contra nós, mas conseguimos. 7AM – E ganhar ambas as eliminatórias foi espectacular, juro. Tipo, nós tocamos uma vez ou outra nas festas da escola porque o pessoal quer-nos lá, mas chegámos ao Avante porque lutámos para merecer o nosso lugar. Foi, digamos, uma recompensa e uma prova de que nós não somos apenas mais uns! Temos, de facto, talento. PD – Exacto, mano: foi um júri experienciado que nos pôs lá. Avaliaram-nos a lírica, o som, a postura em palco, tudo isso. E como foi a experiência de ter a dita recompensa de pisar o palco do Avante? Um palco que, destaco, tinha acabado de receber os Conjunto Corona. 7AM – O Avante foi, sem a menor sombra de dúvidas, o nosso melhor concerto. PK – Foi uma loucura!... PD – Pessoalmente, tive um forte sentimento de “união faz a força”, e não foi só pela actuação! O people foi bué aderente e acho que fomos capazes de dar proveito ao factor surpresa. 7AM – Exacto! Aliás, quando saímos do palco, houve muita gente que foi falar connosco. Pessoal à toa que nunca tínhamos visto na vida! Diziam-nos que gostaram da actuação e alguns pediam-nos o Insta. PK – Eish... aquela espanhola!... *todos riem* PK - Mas também foi especial porque disseram-nos, uma vez, que tínhamos sido os primeiros de Beja a chegar ao Avante. Vocês têm esperanças que a vossa carreira eventualmente dê o boom, tornando-vos em artistas com um nome muito maior? PK – Um gajo tem sempre esperança, mas há que ser realista! Por acaso, tenho uma dica no Cartas que diz: “eu não vou viver pragado à espera da guita do Rap, ele vive na minha cabeça e nunca lhe pedi cash”. Eu não quero fazer disto a minha vida, faço-o porque gosto e porque já o fazia em puto. No entanto, se alguém daqui quiser fazer disto uma profissão e houver possibilidade, então bora! Se calhar o gajo que quiser fazer disto a vida dele fica como cabeça-de-cartaz, mas vamos estar lá a apoiá-lo, percebes? PD – Há um ano não tínhamos nada, mas fomos simplesmente evoluíndo cada vez mais. Eu vejo isto como uma preparação para o futuro. Claro que nós queremos ter cada vez mais aderência e queremos ficar cada vez melhores. Afinal, sem evolução artística não há maturidade artística, e precisamos dela para que surja a oportunidade de, quando possível, darmos o próximo passo. 7AM - Há que ter em atenção de que nós não fazemos aquilo de que o mercado actual está à procura. Os grandes do Rap (sem contar com pessoal que já vem de gerações anteriores, como o Sam the Kid ou o Valete) focam-se mais no Trap e em músicas para festas. Nós queremos fazer música para ouvires em casa, no teu espaço pessoal e no chill. Onde é o estúdio dos Smoke Cabinet, onde tudo acontece? PK – Smoke Cabinet acontece no meu quarto. PD – Já dizia aquela dica: “Do quarto para o Avante” [verso de uma música futura] Existe algum plano para o futuro? Singles? Quiçá um álbum? PK - Nós vamos anunciar no concerto de hoje uma música que está para sair e que vai incluir o primeiro videoclip da editora. É um som com todos os tropas dos Smoke Cabinet e chama-se Tirar a Pinta. PD – E temos também uma cena com o nosso boy Calado. PK – Vai ser uma bomba! O Calado, que por acaso tem estado aqui connosco, bem calado, vai fazer parte de som chamado Sei de Cor. 7AM - Temos também alguns sons que eu gravei com o João Lança [Vishuddha]. Agora, falando de álbuns: eu acho que prefiro continuar com este formato, lançando um single de cada vez sem um álbum em mente. Nós também nem temos a intenção de vender!... PD - Eu quero gravar uma mixtape assim que me vir capaz, nem que seja daqui a uns três anos. Eu tenho de acordar um dia destes e dizer a mim mesmo: “é agora”. Enquanto isso não acontece, é preciso ter calma e paciência. PK - Eu faço o que me vier à cabeça, nem sequer publicito. Se eu fizer um som que curta, eu meto logo! Nem me preocupo muito se o pessoal vai ouvir ou não. Se quiseres ouvir, ouve. Se não quiseres ouvir, que se f*da.
Guião, entrevista e edição: João Pedro Antunes Fotografia: Bruno Soares
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